Sabe aquela sensação de pernas cansadas, daquele rangido das juntas quando se abaixa ou levanta no frio? Sabe aquelas ruguinhas finas que ficam espalhadas em volta dos olhos e debaixo das lentes bifocais? E a respiração dificultosa e a tosse teimosa do meio da noite?
Então. Esta mesmo! Aquela que sentimos sozinhos enquanto lembramos em frente a lareira, do tempo em que os preços eram mais baixos e a pele mais alta, rente ao corpo firme.
Foi assim, sentada embaixo de uma árvore, que ela, com os cabelos e a alma branca, já bem fraca, mas com as mãos firmes agarradas a colcha de retalhos, me contou sorridente esta historia. Ou melhor, que eu vi acontecer.
Onze primaveras apenas. Um quintal comprido... comprido como o céu pro beija-flor pequeno. Ao fundo só uma árvore, tão verde e vistosa, com botões brilhantes a explodir em flores de tantas cores que pareciam cantar uma bela canção na manhã ensolarada. A grama verdinha, macia ia longe-longe, quase sem fim e só era interrompida em seu caminho por aquelas florzinhas amarelas de pétalas fininhas, que damos as mamães num buquezinho depois de brincar e correr no quintal comprido.
Lá do alto, depois das nuvens e do que vem depois delas, vem uma bolinha vermelha. Desce com força, bem rápido e cai sobre a grama. Sobe novamente. Some no ar, e quando menos se espera, lá está novamente a bolinha no chão. E mais uma vez, e mais outra e outra...Até que se aquete a vontade de voltar ao alto.
Pensou que a bolinha era mágica? Que voava sozinha no ar, dançava entre nuvens e repousava no lar pra saltar novamente? Pensou, foi? Então você esta certo! Era exatamente assim que acontecia.
A menina jogava a bolinha ao alto, e voava junto dela pra passear no céu, e quando abria os olhos, lá estavam, na grama novamente.
Era uma folia só. Ela, a bolinha vermelha, o céu, os pássaros cantando e o riso gostoso de se ouvir no vento.
O tempo foi passando, ela foi crescendo, ganhando força e a bolinha ia ganhando altura. Cada vez mais alto. Cada vez mais longe.
Mas foi num verão daqueles que já não se denomina qual, que a menina-mulher jogou-a com tanta força que a bolinha vermelha, subiu rodando, rodando e dava pra ver o sol refletir em cada mancha sem nitidez precisa, e sumir como se num momento de involuntária explosão e mais ninguém pode vê-la descer.
Ela havia crescido. Não tinha mais tempo pra brincar, ou correr do quintal longo, que por sinal, foi ficando menor. Não sei se pela cerca colocada logo após a velha arvore, se pelo carro estacionado sobre a pouca grama ou se pelos olhos que não iam mais tão longe, mas estava menor. Bem menor.
Menor também foi ficando a distancia dos dias. A menina plantava e quando via já havia comido, sem notar o caminho. Saia e chegava em casa, sem notar os sapatos molhados da chuva, dormia. Corria pra alcançar a tempo o tempo perdido, e temia. Temia acima de tudo a perda de tempo.
Sem que lhe perguntasse se sim ou senão, teve de ver da janela, o outono escorrer com a arvore seca. Suas folhas todas no chão. Todas em vão. Sem volta. Temeu. Temeu que o tempo a derrubasse e correu quase caindo pro quintal já cinza e sem poesia.
De pés descalços pisou na grama, com peso e violência. Correu até o fim da cerca. Chegou tão rápido que nem contou os passos. Voltou os olhos pra cima e pode ver junto a uma folha grande e amarelada a bolinha vermelha pousando no chão. Lembrou.
Com sorriso e euforia, jogou a bolinha pro alto e pode vê-la caindo tão perto em seus pés, sem nenhum brilho. Jogou-a novamente. E mais outras tantas vezes. Jogou-a com raiva. Com força. Jogou-a no chão.
Neste momento, com os olhos molhados em lagrimas e folhas secas, recolheu-se a casa já velha. Deitou-se e sem pressa adormeceu.
Foi preciso um frio inverno e chuvas fortes pra recolher as folhas que ficaram. Levaram tudo pra fora. Tudo embora.
E no zunido fino do vento, acordou tremendo e vendo o frio sair. Saiu. Levou consigo uma caixinha de madeira, calçou os velhos chinelinhos de pano, espiou na janela e viu a arvore verdinha-verdinha.
Com a alegria de menina nova, atravessou o quintal comprido, tão comprido como a linha que tecera a colcha, abaixou-se à arvore, recolheu umas florzinhas amarelas, daquelas que se ganha das netas, depois de vê-las brincando e correndo no quintal comprido e verde. Abriu a caixinha, tirou um pedaço de pano bordado que envolvia a velha bolinha vermelha. Sentou-se na grama e jogou novamente a bolinha. Fechou calmamente os olhos e percebeu que a distancia agora era menor. Estava bem mais perto das nuvens, ou do que há depois delas.
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Incrível, Lud. Leio seus textos e a impressão que tenho é que leio histórias de livros infantis da minha infância. Lindo trabalho!
ResponderExcluirBjs e boa sorte nos novos projetos!!!