segunda-feira, 17 de maio de 2010

Noite ensolarada

Mais um estudo...

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Foram 14 anos de uma longa espera. Rugas pareciam brotar em minha face, como se o tempo não parece nunca, e o relógio corresse em velocidade acelerada. De fato o tempo não parava mesmo, e o relógio, coitado, só fazia sua função. Até aquele momento.
Foi como uma historia encantada, quase mágica.
Primeiro com o André, da minha sala. Ele era um menino pequeno, magro, quase pálido e a fraqueza de suas pernas finas o faziam ficar sempre num canto solo da sala. Mas naquele dia, ou melhor, no dia dele, chegou na escola radiante, grande, bem mais belo do que sempre o vi. Seus olhos brilhavam numa luz branca tão forte, acesa de tantas cores, que os meus olhos e os outros da sala cheia, naquele dia quente e ensolarado, não queriam ver mais nada.
Até mesmo os da professora, uma jovem senhora com raízes brancas e um agudo estridente se calaram para ver a alegria entrar.
Os meus olhos assim, encantados num instante, encharcados em lágrimas azuis no mesmo e continuo por um momento apenas se fecharam.
A euforia da minha turma foi tanta, que não reparei que na historia se repetia semanas depois com a Melissa, minha melhor amiga. Ela já era uma menina linda e iluminada por natureza. Sempre achei que ela fosse uma gota de mel de um gigantesco rio no paraíso, onde só faz Sol.
Desta vez a minha Mel ia ganhar uma gotinha cristalina de seus pais. E ela já tinha até um nome: Miguel.
Chegando em casa, pulando parte que não importa, vi minha mãe no quarto quase escuro. Ela passava roupa enquanto cantava baixinho uma canção que ainda hoje adora.
Mamãe sempre foi muito bonita, pele e olhos bem claros como as nuvens e a voz suave como a brisa.
Me dei conta, naquele momento, ou talvez em outros menos apropriados, que nunca falávamos sobre eu ter irmãos. O mais engraçado, é que isto me trançava os cabelos e se agarrava em minhas roupas diariamente.
Ela, com aquele lenço florido nos cabelos, saltou de susto, como que num foguete espacial quando ouviu o derradeiro: Mão, me dá um irmão?!
Os olhos dela estalaram como pipoca em panela quente. Um vermelho intenso tomou conta de seu rosto, mãos e do quarto todo. O relógio enlouquecido, parecia correr pelas paredes.
Eu, quase que piedosa, e no momento pequena como um grão fino de areia, tentei explicar dizendo a ela que era o destino, que estava no ar e que os anjos finalmente estavam acordados pra me ouvir chamar.
A coincidência era demasiadamente grande. André e Melissa, 14 anos, filhos únicos, na mesma sala de aula...todos eles...O universo estava conspirando!
Podia parecer exagero, mas ela se calou. O quarto voltou ao lugar, a cor vermelha retornou a camisa nova do papai que ela passava. E o relógio? Ah, eu nem quis olhar pra trás.
E foi assim, o tempo passando nos carros, visto pequenos da minha janela. Era noite e um vento cinza e gelado estremecia em minha espinha, fazendo um zig-zag quase constante.
O tempo nos carros, trouxe a tempo o carro dos meus pais, antes que as estrelas se apagassem no meu sono.
Mamãe entrou chorando em casa, se atirou na cama com casaco e botas, sem se importar. Papai, atrás da porta que ela bateu, com aquele olhar que dançava entre medo, insegurança, nervosismo e magicamente, alegria incontrolável, aparecia no cerrar dos meus olhos sonolentos, hora abertos, hora fechados, mas com esforço, muito atentos.
Neste momento, senti uma estrela adentrar no meu quarto, num vão tão pequeno e fino da janela de madeira, onde só é possível passar um sentimento grande como aquele. Meu quarto, agora quente e iluminado só me deixava perguntar baixinho: É o que estou pensando papai?
Ele, agora branco e radiante, já não escondendo seu sorriso grande e bonito, só me respondeu também baixinho um “Sim” repleto de felicidade.
Naquela noite de sol, eu não dormi, e passei cantando aquela mesma canção. Meu menino.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Depois das nuvens

Sabe aquela sensação de pernas cansadas, daquele rangido das juntas quando se abaixa ou levanta no frio? Sabe aquelas ruguinhas finas que ficam espalhadas em volta dos olhos e debaixo das lentes bifocais? E a respiração dificultosa e a tosse teimosa do meio da noite?
Então. Esta mesmo! Aquela que sentimos sozinhos enquanto lembramos em frente a lareira, do tempo em que os preços eram mais baixos e a pele mais alta, rente ao corpo firme.
Foi assim, sentada embaixo de uma árvore, que ela, com os cabelos e a alma branca, já bem fraca, mas com as mãos firmes agarradas a colcha de retalhos, me contou sorridente esta historia. Ou melhor, que eu vi acontecer.
Onze primaveras apenas. Um quintal comprido... comprido como o céu pro beija-flor pequeno. Ao fundo só uma árvore, tão verde e vistosa, com botões brilhantes a explodir em flores de tantas cores que pareciam cantar uma bela canção na manhã ensolarada. A grama verdinha, macia ia longe-longe, quase sem fim e só era interrompida em seu caminho por aquelas florzinhas amarelas de pétalas fininhas, que damos as mamães num buquezinho depois de brincar e correr no quintal comprido.
Lá do alto, depois das nuvens e do que vem depois delas, vem uma bolinha vermelha. Desce com força, bem rápido e cai sobre a grama. Sobe novamente. Some no ar, e quando menos se espera, lá está novamente a bolinha no chão. E mais uma vez, e mais outra e outra...Até que se aquete a vontade de voltar ao alto.
Pensou que a bolinha era mágica? Que voava sozinha no ar, dançava entre nuvens e repousava no lar pra saltar novamente? Pensou, foi? Então você esta certo! Era exatamente assim que acontecia.
A menina jogava a bolinha ao alto, e voava junto dela pra passear no céu, e quando abria os olhos, lá estavam, na grama novamente.
Era uma folia só. Ela, a bolinha vermelha, o céu, os pássaros cantando e o riso gostoso de se ouvir no vento.
O tempo foi passando, ela foi crescendo, ganhando força e a bolinha ia ganhando altura. Cada vez mais alto. Cada vez mais longe.
Mas foi num verão daqueles que já não se denomina qual, que a menina-mulher jogou-a com tanta força que a bolinha vermelha, subiu rodando, rodando e dava pra ver o sol refletir em cada mancha sem nitidez precisa, e sumir como se num momento de involuntária explosão e mais ninguém pode vê-la descer.
Ela havia crescido. Não tinha mais tempo pra brincar, ou correr do quintal longo, que por sinal, foi ficando menor. Não sei se pela cerca colocada logo após a velha arvore, se pelo carro estacionado sobre a pouca grama ou se pelos olhos que não iam mais tão longe, mas estava menor. Bem menor.
Menor também foi ficando a distancia dos dias. A menina plantava e quando via já havia comido, sem notar o caminho. Saia e chegava em casa, sem notar os sapatos molhados da chuva, dormia. Corria pra alcançar a tempo o tempo perdido, e temia. Temia acima de tudo a perda de tempo.
Sem que lhe perguntasse se sim ou senão, teve de ver da janela, o outono escorrer com a arvore seca. Suas folhas todas no chão. Todas em vão. Sem volta. Temeu. Temeu que o tempo a derrubasse e correu quase caindo pro quintal já cinza e sem poesia.
De pés descalços pisou na grama, com peso e violência. Correu até o fim da cerca. Chegou tão rápido que nem contou os passos. Voltou os olhos pra cima e pode ver junto a uma folha grande e amarelada a bolinha vermelha pousando no chão. Lembrou.
Com sorriso e euforia, jogou a bolinha pro alto e pode vê-la caindo tão perto em seus pés, sem nenhum brilho. Jogou-a novamente. E mais outras tantas vezes. Jogou-a com raiva. Com força. Jogou-a no chão.
Neste momento, com os olhos molhados em lagrimas e folhas secas, recolheu-se a casa já velha. Deitou-se e sem pressa adormeceu.
Foi preciso um frio inverno e chuvas fortes pra recolher as folhas que ficaram. Levaram tudo pra fora. Tudo embora.
E no zunido fino do vento, acordou tremendo e vendo o frio sair. Saiu. Levou consigo uma caixinha de madeira, calçou os velhos chinelinhos de pano, espiou na janela e viu a arvore verdinha-verdinha.
Com a alegria de menina nova, atravessou o quintal comprido, tão comprido como a linha que tecera a colcha, abaixou-se à arvore, recolheu umas florzinhas amarelas, daquelas que se ganha das netas, depois de vê-las brincando e correndo no quintal comprido e verde. Abriu a caixinha, tirou um pedaço de pano bordado que envolvia a velha bolinha vermelha. Sentou-se na grama e jogou novamente a bolinha. Fechou calmamente os olhos e percebeu que a distancia agora era menor. Estava bem mais perto das nuvens, ou do que há depois delas.